Identificamos as reações neuróticas em sua origem na dificuldade de equilibrar a tensão entre nossos desejos e possibilidade de satisfazê-los na realidade social, tensão que mal resolvida desencadeia um desarranjo das instâncias psíquicas, ID; EGO; SUPEREGO, causando comportamentos neuróticos com a “intenção” de manter a unidade psíquica do sujeito, a neurose como um mecanismo de defesa psíquica.
Devemos considerar que a maioria das neuroses tem como causa primeira traumas vividos durante o processo de resolução das tensões geradas em nossa existência, das tensões entre nossos desejos e sua satisfação ou supressão.
A tensão entre o desejo e sua realização ou não é, é a dificuldade apresentada pelo sujeito neurótico de estabelecer uma conciliação entre o Eu (EGO) e o Mundo, esta dificuldade de conciliação são causadas por traumas psíquicos.
No estudo sobre a histeria, em esboços para a comunicação preliminar de 1893, no item (C) Sobre a teoria dos ataques histéricos1, Freud define trauma; “… transforma-se em trauma psíquico toda impressão que o sistema nervoso tem dificuldade em abolir por meio do pensamento dissociativo ou da reação motora.”2
Entendemos como impressões as experiências obtidas pelo sujeito ao longo de sua existência, fatos ou eventos que povoam a mente humana causando sensações, posteriormente, “arquivadas” na memoria podendo ser acessadas como lembranças ou através dos sonhos. A natureza destas experiências e as sensações provocadas por ela podem estar no centro do que denomino evento traumático. O suposto trauma ao não ser eliminado ou superado fica oculto no inconsciente do sujeito, inacessível ao nível consciente podendo provocar sintomas e comportamento neurótico.
Na esfera dos eventos traumáticos Freud dedica especial atenção aos de aspecto sexual, expressos principalmente na teoria do Complexo de Édipo. Os eventos traumáticos podem ser provocados por acidentes, situações de stress intenso, e pela impossibilidade de satisfazer os desejos individuais, desejos reprimidos. Para Freud a maioria dos desejos reprimidos é referente a conflitos sexuais, vivenciados desde a infância, estes conflitos sexuais são provocados por experiências traumáticas, seja na manifestação ou repressão dos impulsos sexuais. Nestas experiências se encontram a configuração dos sintomas neuróticos. Agora podemos considerar que o desenvolvimento sexual no ser humano não possui apenas a finalidade reprodutiva, apresenta um aspecto mais fundamental, o da evolução da condição psíquica humana, assim como a Libido considerada como energia relacionada aos instintos sexuais e as relações afetivas do sujeito. Através da orientação da Libido podemos entender a busca pelo prazer do corpo e o princípio do prazer que move o sujeito humano para a busca da satisfação dos desejos.
Na tentativa de compreender esta busca pelo prazer e do desenvolvimento da Libido, Freud determina áreas do corpo (zona erotizada) que promovem prazer e fases de desenvolvimento, segue a seguir as fases e as zonas erotizadas; Fase oral (boca), Fase Anal (ânus), Fase Fálica (genitália), Fase Genital (área externa ao corpo). Freud descreve um período de latência, ou seja, um intervalo entre o estímulo para a satisfação e a satisfação propriamente dita, onde os interesses sexuais são elevados e direcionados à cultura, a sociedade, para efetiva manifestação, para serem saciados.
O complexo de Édipo tem sua referência na no na tragédia grega o Édipo Rei, uma peça de teatro escrita por Sófacles, em linhas gerais Édipo era destinado a casar com sua mãe e assinar seu pai, obviamente à tragédia faz inúmeras referências com a influencia dos deuses em nossas vidas, tratando de um determinismo absoluto e na impossibilidade alteração do plano divino, porém, Freud observa algo mais, observa em nível simbólico uma competição entre o menino e o pai, pelo objeto de desejo, à mãe!
Neste sentido Freud considera que dentro do desenvolvimento psicossexual da criança, o complexo de Édipo, tem um papel fundamental, o menino quer ser como o pai e ter sua mãe. Caso o desenvolvimento psicossexual ocorra de maneira saudável, a criança para não perder o amor do pai se desinteressa pela mãe e passa a buscar outro objeto de desejo, ingressando no mundo da cultura e sociedade, no caso da menina as relações são invertidas, denominada por Carl Jung, complexo de Electra.
Neste contexto psíquico à maneira como as manifestações do desejo são compreendidas, determinam o desenvolvimento psicossexual do indivíduo. Caso as manifestações dos desejos sejam mal orientadas e reprimidos indevidamente, tornam-se conteúdos recalcados, reprimidos ao nível inconsciente, não sendo nem eliminado, nem superado, podendo assim produzir ao longo da vida sintomas de neurose. É importante observar que as fases de desenvolvimento das zonas eróticas não são lineares e não respeitam idade cronológica, podendo aparecer em qualquer fase da vida. Problemas de insegurança, timidez, baixa auto estima, ansiedade, distúrbios alimentares, dependência e outros problemas psicossociais, podem ter em sua origem traumas no processo de desenvolvimento da sexualidade, ou seja, a tensão entre os desejos e a possibilidade de realização. Obviamente a sociedade tem como função limitar ou reprimir desejos e impulsos considerados inapropriados, ou até repulsivos, entretanto, o termo correto seria a superação de desejos e impulsos para possibilitar a vida em sociedade.
Uma vez que a fonte de desejo é o próprio corpo, é comum no processo de repressão dos desejos, seja acompanhada de mutilações, as pulsões tem origem no corpo (fonte) e acumulam energia, força que necessita de descarga (magnitude), tornando necessário a busca pela satisfação, vasão (finalidade), e o meio utilizado para dar vasão é o objeto de desejo (objeto). Conteúdos do desejo reprimidos podem causar transtornos neste processo, na compreensão, por exemplo, de meios ou objetos adequados para a satisfação dos desejos, que sejam socialmente toleráveis, mesmo que clandestino, preservando assim a unidade psíquica saudável do indivíduo. Já salientamos que as neuroses são expressão da necessidade de “auto preservação” psíquica do sujeito, uma defesa.
Podemos considerar assim que as neuroses são efeitos de experiências traumáticas não superadas, em sua grande maioria relacionada ao desenvolvimento psicossexual, levadas a um nível inconsciente, permanecendo oculta até sua manifestação neurótica. Assim a origem da neurose encontra-se sempre em nível do inconsciente, só conteúdos do inconsciente são capazes de produzir neuroses, do encarceramento de conteúdos não realizados, não superados e incompreendidos.
O processo terapêutico é processo de libertação, de compreensão, de superação, trazer à luz o que está oculto nas profundezas da mente.
Luiz Henrique – Filósofo e Psicanalista – 25/06/20
Notas
1 Texto inserido em, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Publicações Pré-psicanalíticas e Esboços inéditos (1886-1889), Editora IMAGO, Volume I.
1 Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Publicações Pré-psicanalíticas e Esboços inéditos (1886-1889), Editora IMAGO, Volume I, pag. 114.
Bibliografia
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Publicações Pré-psicanalíticas e Esboços inéditos (1886-1889), Editora IMAGO, Volume I.
Modulo I, HISTÓRIA E CONCEITOS FUNDAMENTAIS, curso de formação em psicanálise, psicanáliseclínica.com, versão 2018.