O Uso excessivo de psicotrópico! 

No artigo de hoje tenho a intenção de discutir a relação que a sociedade atual estabelece entre o sofrimento psíquico e o uso excessivo de psicotrópico. O aumento do uso de psicotrópico na sociedade atual é uma questão a ser entendida e debatida. Vamos debater os dispositivos e as perspectivas relativas à saúde mental na sociedade contemporânea, levando em consideração aspectos biológicos, sociais, econômicos, políticos e culturais. Mas o que exatamente estou querendo dizer com isso? 

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) existe um aumento preocupante no uso excessivo de psicotrópico na atualidade, entre eles podemos citar ansiolíticos e antidepressivos. Tal evidência e preocupação leva a uma reflexão sobre a relação entre o sofrimento do sujeito humano e o uso indiscriminado de medicamentos que tem como “promessa” solucionar os problemas de ordem psíquica na atualidade. Tal “promessa” que é originária de uma demanda real da sociedade que cada dia mais sucumbe em dor e sofrimento psicológicos dos mais variados tipos. 

Primeiramente o uso de medicamentos psicoativos na atualidade está relacionado ao modo de vida agitado e competitivo, adotado pelas formas de organização social e política que exige cada vez mais do indivíduo resultado e produtividade em condições longe do ideal, com trânsito caótico, transporte público ineficiente e sufocante, metas e cobranças sobre produtividade excessivas e estressantes nas empresas, um mercado de trabalho cada vez mais exigente frente a grande massa de desempregados. Todos esses fatores contribuem de maneira determinante para desordem psíquica dos indivíduos, que apesar de condições extremas devem mostrar-se “dispostos” e “resignados” em uma constante e desgastante luta pela sobrevivência. 

Não é de estranhar que sob tais condições o ser humano apresenta desordem psíquica de diversas formas e tipos, entretanto, o tratamento para esta desordem independente da natureza e origem tem privilegiado os fármacos, como uma saída de curto prazo, atendendo cada vez mais o imediatismo frenético da sociedade atual.  

Poderíamos aqui considerar que este imediatismo seria de ordem econômica, pois quanto mais rápido o indivíduo “superar” o problema mais estará apto a voltar a produzir, mais cedo retornará ao trabalho ou ao mercado, fazendo a “roda girar” por assim dizer! Para Foucault por exemplo o medicamento como método privilegiado de tratamento trata-se estabelecer a premissa de uma verdade sobre a doença, criando uma normatização, ou seja, um julgamento sobre os comportamentos, a medicina se adapta ao modo de vida atual e através dos psicotrópicos tenta adaptar os comportamentos do sujeito a esta sociedade que cobra constantemente uma performance de sucesso de alta produtividade. Levando assim ao uso excessivo de psicotrópico na sociedade atual. 

Outro ponto também é a responsabilização irrestrita do sujeito pelo seu estado emocional, como se o sucesso, o prazer e a felicidade estivesse disponível facilmente a todos os indivíduos, forçando o indivíduo a mostrar-se “sempre bem”, sorridente e “de bem com a vida”, a dor, o sofrimento, as frustrações não são mais aspectos tolerados ou relevantes para a formação do sujeito humano, levando assim ao uso de medicamentos de efeito mais imediato na tentativa de camuflar ou fugir da causa da dor e sofrimento psíquico. Neste contexto torna-se evidente que o uso dos fármacos não atuam na causa ou origem das neuroses ou transtornos psíquicos e sim nos sintomas, que apesar de apresentarem um aspecto importante e muitas vezes limitante nas funcionalidades cotidianas, são em muitos casos apenas paliativos sendo necessário uma intervenção mais introspectiva, ou seja, proporcionada pela psicanálise por exemplo, minha argumentação então possibilita afirmar que existe um certo rompimento, uma ausência de diálogo entre a psicanálise e a medicina, pois estamos em uma sociedade concentrada em resultados imediatos e mensuráveis do ponto de vista produtivo, não entramos na perspectiva do sujeito sobre a realidade e seus sentimentos, em como o indivíduo se relaciona com suas experiências e afetos, suas representações e organizações psíquicas, não questionamos a sociedade atual na configuração de suas relações humanas, tenta-se apenas adaptar o sujeito nas mais diversas e intensas situações exigidas pelo mundo atual, alheias as condições emocionais e existenciais de cada indivíduo. 

Não podemos aqui também esquecer das empresas e laboratórios que comandam a produção de medicamentos, ou seja, a oferta de medicamentos, desde daqueles que auxiliam no sono, a estimulantes que aumentam a performance no mundo corporativo, tem como premissa a lucratividade e tendência à privilegiar o uso de fármacos no tratamento de patologias psíquicas, está diretamente ligada ao lucro, através de uma promessa extremamente sedutora, uma “pílula mágica” que resolva seus problemas e possibilita o encontro da tão buscada felicidade. Este “incentivo” mercadológico passa a diagnosticar problemas não médicos como problemas médicos e ofertar tratamento medicamentoso para problemas de cunho existencial, social, cultural, ligadas a aspectos comportamentais está fundada no fato do sujeito não se adequar aos comportamentos exigidos pelas normas e padrões sociais ou por absorver em excesso tais demandas externas ao sujeito, que podem causar desconforto, sofrimento e frustração, frente às expectativas apresentadas pela sociedade como referência de sucesso, felicidade e bem estar, não atingidas pelo sujeito ou buscadas freneticamente. Neste contexto o uso excessivo de psicotrópico torne-se um problema, pois é utilizado fora de propósito específico de cura para problemas psíquicos de ordem biolágica. 

Ressalto que é evidente que algumas condutas e comportamentos são de fato prejudiciais ao indivíduo e a sociedade, como por exemplo excesso de agressividade, condutas que evidenciam assédio e descontrole da libidinal, dependência química e alcóolica, dentre outros, que apesar de relevantes não são o tema central do artigo, ou seja, a crítica está centrada no fato de que mesmo condutas e comportamentos prejudiciais, nem sempre a intervenção medicamentosa é a mais adequada, ou não deveria ser realizada isoladamente sem o auxílio e complemento das psicoterapias. 

Enfim qualquer causa seja ela pessoal, profissional, afetiva, relacional, o fármaco oferece um atalho para a “superação”, não possibilitando ao sujeito a compreensão de sua condição, deseducando-o a lidar com as frustrações e expectativas da vida, impedindo de concretizar uma visão particular da realidade a sua volta, levando o ser humano a um determinismo social e biológico ajustável sob a tutela de compostos químicos específicos, como reguladores de humor.  

Por isso concluo dizendo, Mais TERAPIA e menos remédios, a terapia psicanalítica fortalece o sujeito na busca de um equilíbrio com a vida, tendo o bem estar do indivíduo em primeiro plano, a psicanálise oferece alternativa, autoconhecimento e tratamento frente às exigências muitas vezes brutais da sociedade contemporânea, possibilitando organizar suas representações, afetos, emoções e sentimentos, trata de ocupar-se de si mesmo. 

O uso de medicamentos psicoativos é extremamente necessário em muitos casos, como por exemplo, nos casos de psicoses e esquizofrenia, dentre outros, mas seu uso deve ser acompanhado de perto por especialistas visando reconhecer sua efetividade, ajustes e alterações que melhor se adaptem às necessidades do paciente, do indivíduo e não apenas da sociedade. E nos casos que é passível de tratamento medicamentoso deve ser realizado em conjunto com as psicoterapias, que deve ser recomendada e encorajada, a fim de diminuir uso excessivo de psicotrópico e irresponsável, ficando restrito a casos de necessidade comprovada. 

 Já sabido que todo medicamento produz efeitos colaterais significativos capaz de comprometer funções importantes do indivíduo, por isso fica o recado, o processo terapêutico é de extrema importância para o desenvolvimento de uma sociedade mais humana e “saudável” psicologicamente e socialmente falando. 

Luiz Henrique 16/06/2020 – Filósofo e Psicanalista 

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